Ex-assessor de secretário do Ministério da Agricultura foi um dos negociadores de leilão de arroz da Conab

Política

A Bolsa de Mercadorias de Mato Grosso (BMT) e a Foco Corretora de Grãos, empresas criadas em maio de 2023 por Robson Luiz de Almeida França, ex-assessor do então deputado federal e ex-ministro da Agricultura, Neri Geller, intermediaram a venda de 44% do arroz importado vendido no leilão público realizado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) nesta semana. Os envolvidos negam qualquer tipo de favorecimento no certame.

As empresas participaram da negociação de 116 mil das 263,3 mil toneladas comercializadas no leilão, cujos arremates das suas clientes vão abocanhar R$ 580,1 milhões dos R$ 1,3 bilhão movimentados. A BMT e a Foco faturam comissões de corretagem em cima desses valores. Elas representaram três das quatro empresas arrematantes do leilão: ARS Locação de Veículos e Máquinas, Zafira Trading e Icefruit Indústria e Comércio de Alimentos.

O perfil das vencedoras causou estranheza no mercado pela falta de experiência na atividade. As outras 147,3 mil toneladas de arroz foram negociadas pela Bolsa de Cereais e Mercadorias de Londrina (BCLM) para a Queijo Minas, uma loja de queijos e laticínios em Macapá (AP) do empresário Wisley Alves de Souza. A empresa vai receber mais de R$ 736 milhões da Conab.

O governo decidiu importar arroz para evitar especulações de preço depois das enchentes no Rio Grande do Sul atingirem lavouras do grão. A medida foi alvo de críticas dos produtores nacionais de arroz, que garantiram que teriam capacidade de abastecimento para o consumo interno e contestaram que as oscilações de preços justificariam a intervenção.

O portal da Câmara dos Deputados mostra o registro de França como funcionário do gabinete de Geller entre 2019 e 2020, quando o político estava em mandato parlamentar por Mato Grosso. O ex-assessor também abriu uma empresa com Marcelo Piccini Geller, filho de Neri, em Cuiabá em agosto de 2023, de acordo com informações da Receita Federal.

França ainda foi colega de Thiago dos Santos, atual diretor de Operações e Abastecimento da Conab, no gabinete de Geller. Santos ficou vinculado ao ex-parlamentar entre maio de 2019 e janeiro de 2023. França saiu em julho de 2020. Indicado por Geller para o cargo na estatal, Santos está à frente da diretoria responsável pela realização dos leilões públicos desde o ano passado.

França criou a BMT em 29 de maio de 2023. Exatamente um mês depois, o governo federal anunciou — em cerimônia com a presença de dos ministros da Agricultura, Carlos Fávaro, e do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira — a retomada da política de formação de estoques e a intensificação das operações de comercialização agrícola.

Houve um estímulo à criação de novas bolsas de mercadorias pelo país com a retomada dessa política. Três se credenciaram na Conab em 2023, entre elas a BMT. Em dezembro de 2023, a bolsa de França e a Foco intermediaram a compra de 12,7 mil toneladas de milho para entrega na Bahia. A BMT também participou de leilão de compra de milho realizado dois dias antes do leilão de arroz.

França negou ter tido favorecimento no leilão. “A bolsa foi criada através de edital para criação de bolsas. Posteriormente a isso, constituí a Bolsa de Mato Grosso, que foi constituída de todas as formas, em cartório, com todos os registros. E começamos a participar de leilões, não só do arroz, mas outros leilões que não saímos ganhadores”.

Questionado de quantos leilões a BMT participou, ele disse não se recordar. “Foram vários. Da Bahia, participamos, e também em leilões de frete, de remoção de estoque, tanto de logística para retirada de grãos a granel como de cesta básica”, relatou.

França disse ainda que não tem contato frequente com Geller e com Santos, da Conab. Questionado sobre a capacidade de seus clientes vencedores no leilão de arroz importado apresentarem as garantias demandadas pela estatal, ele disse que “até o dia 13 vocês vão verificar que todas as empresas que participaram na bolsa vão apresentar as garantias”.

A Conab nega qualquer tipo de interferência, favorecimento ou direcionamento no leilão de arroz importado. “Não houve direcionamento, não houve facilidade nem nada. Estamos à disposição para quem quiser participar [dos leilões]”, disse Santos.