Campos Novos – Com o aumento da longevidade, a demanda por uma vida mais digna na velhice torna-se cada vez mais presente no Brasil. São idosos sem família, com filhos que não tem condições de manter seus pais ou ainda que não desejam assumir a responsabilidade da proteção e decidem por terceirizar esses cuidados.
É claro que velhice não é sinônimo de incapacidade, porém, em muitos casos, a terceira idade representa um desafio, quando acompanhada de problemas de saúde que impedem o idoso ou qualquer outra pessoa de se manterem sozinhos.
A função de cuidador de idosos aparece neste contexto como uma necessidade, porém, manter idosos em uma Casa Lar requer que diversos critérios previstos em lei sejam atendidos por quem deseja oferecer este atendimento. Na terça-feira, 07 de novembro, a Vigilância Sanitária Municipal, com suporte da Vigilância Sanitária Estadual, interditou a atividade de atendimento a idosos oferecida numa residência particular, mantida por Simone Everling, na Rua Leônidas Rupp, Centro da cidade.
Oito idosos estavam sob os cuidados de Simone, morando na residência. Conforme o fiscal sanitário da Vigilância Sanitária Municipal, Mario Arthur Favreto, a atividade não estava regularizada. “A gente ficou sabendo por meio da Rádio Comunitária, em que a Lorena Gheller da Regional de Saúde, da Vigilância Sanitária Estadual e do Diomar Canuto que é o nosso gerente escutaram um pedido de doações e ficamos sabendo do asilo desta forma. Bom, como ficamos sabendo desta forma, pensamos que não tem alvará sanitário, nem registro, resolvemos fazer uma inspeção e verificar quais eram as condições, porque existe uma resolução da Anvisa que tem uma série de exigências, determinando que o local tenha um estatuto registrado, regimento interno, registro de entidade social, estrutura dos quartos e dos banheiros com acessibilidade e apoiadores, todas estas questões. No dia 7 fizemos a inspeção, a responsável nos acompanhou, registramos por fotografias a situação encontrada e verificamos que não atendia as exigências da legislação, entramos em contato com a Diretoria da Vigilância Sanitária em Florianópolis e partiu deles a ordem que fosse retornado ao local e fosse procedido com a interdição de atividade, o que aconteceu na terça-feira, dia 8”, explicou o fiscal.
Com a interdição imediata de atividade, informou Mario, foi determinado que a responsável promovesse a retirada imediata dos idosos e apresente defesa junto á Vigilância Sanitária num prazo de 15 dias, a contar da notificação. “Nesse caso é uma interdição de atividade, não do local em si, porque é uma casa particular. Então foi feita uma interdição de atividade e a responsável não pode mais acolher idosos. A interdição foi imediata porque não atende as condições mínimas previstas na legislação, nem condições de higiene pessoal. Então a partir do momento da interdição, ela tinha que começar a encaminhar os idosos para a família ou para quem entregou pra ela. Agimos dentro da legalidade e a responsável tem um prazo de 15 dias para apresentar defesa à Vigilância Sanitária a partir do recebimento da intimação, mas por medida cautelar e por uma exigência da legislação, ela já teria que começar a retirar os idosos do local”, esclareceu ainda Mario Favreto.
Dos oito idosos que estavam na casa, apenas uma não tinha família e seria encaminhada para uma instituição de longa permanência em outro município, por intermédio do Centro de Referência Especializado em Assistência Social – Creas. Na quarta-feira, 09, uma reunião mediada pelo Creas entre a responsável pela casa e familiares foi realizada para que os idosos fossem encaminhados de volta.
Conforme Mario Arthur Favreto, quem encaminhou os idosos para a residência, também poderá responder pelo ato. “Muito provavelmente sim, mas neste caso não abrange mais a Vigilância Sanitária, mas outras instâncias legais, porque as pessoas fizeram o encaminhamento para um local que não tinha nenhum registro, nem condições adequadas para recebimento. Não estou dizendo que ela não os tratasse bem, talvez tinha uma boa intenção, mas dentro do âmbito da lei não atende as exigências, então as pessoas mandaram para um local que sabiam que não era regularizado”.
Caso a responsável não apresente a defesa no prazo hábil de 15 dias pela infração sanitária cometida, estará sujeita à multa.
Responsável pelo acolhimento falou sobre a interdição
A reportagem do Jornal O Celeiro esteve na quarta-feira, 09, na residência onde eram mantidos os idosos e conversou com Simone Everling. Segundo Simone, ela é técnica em enfermagem e oferecia o atendimento há quatro meses, antes no Bairro Santo Antonio e recentemente, há 4 dias antes da interdição, havia mudado de residência, indo morar na Rua Leônidas Rupp, em outra casa alugada, onde também vive sua família.
Simone conta que a princípio o atendimento era feito a apenas uma idosa. “Tem quatro meses que começou com a Dona Erondina, que tem uma necessidade, que o filho dela me procurou. Porque eu vim do Mato Grosso para cuidar da minha mãe e como sou técnica em enfermagem, comecei a cuidar da Erondina, mas eu precisava trabalhar mais, não podia ficar só com ela. Fui na Assistência Social e falei com a assistente social que eu tinha meu trabalho, que eu gostava de cuidar de idosos, que eu já tinha trabalhado com idosos no Mato Grosso, aí mostrei pra elas o meu serviço, o meu trabalho que gostaria de fazer com os idosos. Como tinha grande necessidade na cidade, fui lá e conversei com elas e me disseram “Simone”, a gente está com pessoas com grande necessidade e não tem vaga nos asilos, já procuro faz tempo e não tem mais condições de deixar eles do jeito que estão. Aí veio a Maria, daí trouxe a Odete, que não é idosa, tem 46 anos, mas necessita de cuidados, só tem uma filha aqui e ela disse que não tinha condições de ficar com ela. Foi surgindo mais necessidades e acabou que fiquei com 8”, relatou.
Com o aumento do número de idosos, Simone mudou-se para uma casa maior. Ela também relatou como mantinha os idosos na sua residência. “Assim, cada um deles tem um ordenado, que compro a medicação, as coisas que eles precisam. Então tendo a necessidade, a gente ia e comprava”. Questionada sobre a irregularidade em relação à legislação para manter a atividade, Simone Everling, afirmou que não tinha conhecimento da complexidade da lei, reforçado que procurou a Assistência Social.
“Quando eu comecei este trabalho eu comecei já procurando o certo, procurei a Assistência Social que eu queria fazer o meu trabalho, então já tendo um apoio dali, eu não esperava que ia chegar nesse ponto. Na verdade eu faço isso mais pelo amor, pelo carinho, faço por eles. A gente conversou e ela me falou que era difícil regularizar. A família não estava tendo condições de ficar e pelo que eu entendi delas, elas também estavam numa encruzilhada”, afirmou.
Simone afirmou ainda que por ela manteria o atendimento, mas não quer atuar fora da lei. “Por mim eu abriria minha casa e colocaria 10, 20, esse era o meu desejo, mas aí já vem uma lei que eu tenho que seguir, eu não quero estar fora da lei, quero estar dentro das regras, mesmo com o amor e o carinho que a gente tem. A comunidade conhece meu trabalho sabe o que eu faço aqui. Mas eu acho assim que devia vim da prefeitura a iniciativa deles me ajudar, porque a minha parte estou fazendo”.
Creas se pronuncia sobre o caso
A coordenadora do Creas em Campos Novos, assistente social Fernanda Lima Deporte, também foi ouvida pela nossa reportagem. Segundo ela, o Creas tinha conhecimento do caso, assim como de outras situações semelhantes no município. “O Creas tem conhecimento não só desta situação, como de outras, eu acho que até a Vigilância Sanitária do Estado tem conhecimento, a ADR, o pessoal veio conversar conosco e nos colocou que tem outra casa no Loteamento Granzoto nesta situação”, afirmou a assistente social.
Fernanda esclareceu, porém, que quando foi procurada pela responsável pela casa, esclareceu da necessidade da regularização. “Tem uma idosa que foi encaminhada quando ela não tinha ninguém ainda. A responsabilidade hoje de estar com esta instituição é dela e eu alertei. Quando a Vigilância Sanitária interditou, ela já estava com 8 pessoas lá. Porque não é o Creas diante desta situação, mas todos os munícipes de Campos Novos sabem que tem esta situação, cabe então à Vigilância Sanitária atuar”.
Fernanda Lima Deporte declarou também que o fato reforça o alerta para a grande demanda de idosos que sofre violação de seus direitos no município. “Temos uma demanda de idosos que atendemos aqui com todas as violações possíveis, desde a violência sexual ao abandono do idoso. Então a importância deste fato vem reforçar que temos que ter com urgência um atendimento especializado a este idoso. Claro que sabemos que a responsabilidade primeiramente é da família, mas também sabemos que muitas vezes a família não quer prestar os cuidados ao seu familiar, seu pai ou sua mãe que lhe cuidou e acaba referenciando para outros cuidadores, estarem prestando estes cuidados”, afirmou Fernanda.
Após auxiliar Simone no encontro com familiares para o encaminhamento dos idosos, o Creas deve manter o acompanhamento após o retorno às famílias.
Conversamos com o promotor da Primeira Promotoria Fernando Wiggers. “Inicialmente é importante a gente esclarecer que a idade avançada, a condição de idoso, não torna a pessoa incapaz. Pelo contrário, a idade não tem nenhuma relação com a incapacidade. O que torna as pessoas incapazes são problemas de saúde, isso não necessariamente só na condição de idoso”, enfatizou o promotor.
Porém, quando uma pessoa se torna incapaz, esclarece Dr. Fernando, a responsabilidade primeira é da família. Não havendo familiares responsáveis ou sem condições de prestar o auxílio, a responsabilidade recai sobre o município. “Quando acontece de uma pessoa se tornar incapaz por conta de algum problema de saúde, cabe à família a responsabilidade pelos cuidados. Se é um idoso que tem filhos cabe aos filhos assumir esta responsabilidade. Pode acontecer desse idoso não ter descendentes, nenhum familiar que possa assumir esses cuidados, que possa assumir esta responsabilidade. Nestes casos, essa responsabilidade vai recair sobre o município. O município é responsável subsidiariamente pela proteção, pelo amparo que esse idoso necessitar, o município e a sociedade. A sociedade como um todo e de certa forma representada pelo poder público, são responsáveis pelo amparo dos idosos. Então num primeiro momento é a família a responsável, num segundo momento não tendo a família condições ou não havendo familiares, recai sobre o município esta responsabilidade”, esclareceu o promotor.
Já houve, inclusive, de acordo com o representante da primeira promotoria, casos no município de Campos Novos, em que o poder público foi acionado judicialmente a garantir os cuidados de determinada pessoa que não tinha familiares ou não havia condições de darem o suporte necessário.
Fernando Wiggers citou o Cras, Creas e Conselho Municipal do Idoso, como órgãos que devem ser acionados no caso de garantir a proteção e assegurar que os direitos do idoso não sejam violados. Podem ocorrer casos em que mesmo tendo condições, a família se recuse a amparar o seu idoso. Desta forma o município deve se responsabilizar, porém, poderá cobrar da família, os custos por este atendimento.
Infelizmente, situações de negligência da família em relação ao amparo de idosos são demandas cada vez mais presentes na sociedade. A situação pode se agravar com o aumento da longevidade e número de filhos cada vez menor. “Essa é uma situação que tem se mostrado bastante comum até, não só em Campos Novos, mas no estado e no Brasil inteiro. O censo tem mostrado que a população vem envelhecendo, a estrutura das famílias já mudou bastante, o número de filhos é menor e a longevidade das pessoas é maior. Nós temos um número maior de idosos e isso faz com que aumento este tipo de demanda. Além do número maior de idosos, temos menos descendentes, o que implica no agravamento da situação, em que vão ter idosos sem condições de se manterem sozinhos”, enfatizou Promotor Fernando.
Fernando Wiggers deixou ainda um alerta aos familiares que buscam por atendimento aos seus idosos. “Às vezes na ânsia de querer de se livrar do idoso, a família acaba repassando para algumas pessoas que em alguns casos, não tem condições de oferecer os cuidados adequados. Já tivemos situações de pessoas que assumiram responsabilidade pelo idoso, mas na prática não se mostraram capazes de realizar o atendimento”.
Para o promotor, cada vez mais os municípios estão tendo que assumir responsabilidades, sem que o legislador federal dê o suporte necessário. “São situações extremamente delicadas, porque a gente sabe também das dificuldades do poder público municipal de assumir esse ônus, até por conta da quantidade de atribuições que aumentam cada vez mais, sem que o legislador federal repasse os recursos para que haja condições desempenhar bem a função. Nós temos deficiência não só na questão dos idosos, mas na saúde, educação e no amparo às crianças e adolescentes. O poder público municipal acaba algumas vezes não dando conta do fazer o que é preciso dentro do que a lei imagina, mas a gente tenta dar todo o suporte necessário quando toma conhecimento de alguma situação específica”, finalizou Fernando Wiggers.
(Fonte: Jornal Celeiro)