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PCC e CV: relatório da Abin revela que expansão das facções podem abalar relações diplomáticas do Brasil com outros países

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PCC e CV: relatório da Abin revela que expansão das facções podem abalar relações diplomáticas do Brasil com outros países
Fernandinho Beira-Mar, líder do CV, e Marcola, chefão do PCC | Foto: reprodução

A expansão internacional do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho (CV), as duas maiores facções do Brasil, tem preocupado as autoridades brasileiras devido ao alto potencial de “impactar as relações diplomáticas do Brasil com países vizinhos”. A afirmação consta no documento produzido pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que teme o vazamento dos segredos envolvendo as potências do crime organizado.

O abalo ocorreria se vazadas informações, coletadas por investigadores, envolvendo a atuação de PCC e CV na rota da cocaína. A maior parte vem da Bolívia, onde a substância é considerada “mais pura”, e da Colômbia. As facções, contudo, também recorrem a outras nações da América do Sul para fazer a droga chegar ao Brasil.

Para preservar a relação diplomática com esses países e a segurança de agentes neles infiltrados, a Abin quebrou um protocolo e passou a instaurar a política do sigilo até mesmo para os relatórios desclassificados. Ou seja, até os documentos que, por força do tempo, poderiam agora se tornar públicos, vão permanecer sigilosos.

Ao implementar a medida, a Abin ressaltou que PCC e CV atuam com a “execução planejada de agentes públicos, inclusive federais”. E, sem citar qual, disse que uma dessas organizações tem “larga envergadura e potencial econômico considerável”. A iniciativa da agência foi chancelada pela Secretaria-Executiva da Casa Civil da Presidência da República.

O órgão considerou que o vazamento das apurações acarretaria risco à segurança dos servidores da Abin, assim como de órgãos parceiros, “decorrentes do perfil de ameaça do objeto de interesse da Inteligência: organizações criminosas altamente estruturadas, cuja atuação recente é marcada pela execução planejada de agentes públicos, inclusive federais, dentre diversas outras formas de manifestação violenta”.

“Neste caso, o sigilo específico destas informações persiste independentemente do vencimento do prazo de classificação, em observância ao princípio da Supremacia do Interesse Público”, justificou a Presidência da República.

O Planalto informou, ainda, que o vazamento de informações sobre PCC e CV exporia e comprometeria atividades operacionais de inteligência e meios técnicos adotados, visto que o tema demanda um contínuo acompanhamento por parte da Inteligência de Estado, considerando que a ação do crime organizado em todo o país representa, atualmente, uma das principais ameaças à sociedade e ao Estado brasileiros.

“Ademais, a Agência registrou que o trabalho de Inteligência precede ações de segurança pública realizadas pelas instituições policiais e de Justiça, e que, portanto, eventos acompanhados há cinco ou dez anos têm grande probabilidade de serem objeto de inquéritos e ações judiciais do tempo presente. Assim, a divulgação de tal tipo de informação tem o condão de por em risco a proteção de testemunhas e depoentes em inquéritos policiais e processos judiciais atualmente em curso, decorrentes de ações pretéritas ou perenes”.

Colômbia dominada

Na América do Sul, CV e PCC atuam principalmente na Bolívia e Colômbia, tradicionais produtores de cocaína. Na Colômbia, as duas facções mantêm relações com ex-membros das Forças Armadas Revolucionárias (Farc). O próprio Fernandinho Beira-Mar, líder do CV, foi preso pelo Exército colombiano em 2001, quando era o traficante mais procurado do Brasil.

O mapeamento das autoridades brasileiras aponta que a cocaína colombiana que abastece as duas facções cruza o Rio Vaupés, na fronteira entre os dois países, e chega ao Amazonas, por onde é conduzida pelo Rio Negro até ser entregue aos integrantes do CV e PCC. Em seguida, a droga é levada para Manaus, de onde é distribuída para o mercado interno e externo.

O PCC tem dominado a região de Putumayo, na Colômbia. Por ali, alcançou o Equador, abrindo rotas de tráfico pelo Oceano Pacífico e expandindo seus negócios com a Ásia, antes firmados por meio das parcerias da facção com organizações da África.

Em janeiro deste ano, um dos principais matadores conhecidos do PCC foi preso na Bolívia, o que demonstra a importância do país vizinho nas atividades da facção. Elvis Riola de Andrade, conhecido como “O Cantor”, foi preso em Santa Cruz de la Sierra a partir de informações passadas pelas autoridades brasileiras. Assim como o cartel mexicano Los Zetas, CV e PCC operam na Bolívia em parceria com clãs locais, as “famílias” de traficantes que operam em todo o país.

Guerra do tráfico

Tanto na Colômbia quanto na Bolívia, a disputa entre CV e PCC por território é sangrenta. A facção carioca conquistou a hegemonia do tráfico no Acre e ampliou sua atuação nas regiões de fronteira. Já as rotas do comércio ilegal de armas para as facções brasileiras passa por países como o Peru e Argentina.

A conhecida “Rota do Solimões”, que atinge também a Venezuela, abastecia de armas e drogas a facção paulista para suprir o mercado da região Norte do Brasil e parte das regiões Centro-Oeste e Nordeste, assim como da Europa. Hoje a Rota do Solimões é dominada pela facção Família do Norte (FDN).

Na Argentina, as facções brasileiras começaram a se expandir com mais velocidade a partir de 2019. Naquele ano, cerca de 200 milhões de dólares em armas que seriam destinadas ao CV e PCC foram apreendidas pela polícia argentina. As armas chegariam ao Brasil pela cidade de Pedro Juan Caballero, na fronteira do Paraguai com o Mato Grosso do Sul.

Em fevereiro deste ano, o maior fornecedor de armas das facções brasileiras foi preso na Argentina. Diego Hernan Dirísio foi detido pela Interpol em Córdoba. Em dezembro de 2023, a Polícia Federal havia aberto um pedido de captura internacional em “alerta vermelho” contra Dirísio, como parte da Operação Dakovo, que investiga o esquema multimilionário de tráfico internacional de armas para a América Latina.

Já na Europa, o principal eixo de atuação das facções brasileiras é Portugal. Um relatório divulgado pelo Serviço de Informações de Segurança (SIS) do país europeu em novembro de 2023 apontou a presença de pelo menos 1.000 brasileiros ligados ao CV e PCC em Portugal. Nas prisões portuguesas, pelo menos 20 integrantes do PCC estão detidos por tráfico.

A facção paulista também teria relações na Itália. O elo entre a principal máfia italiana, a ‘Ndrangheta, foi identificado em uma investigação internacional sobre o contrabando de armas e drogas. As apurações se estenderam por dois anos e envolveram forças policiais de quatro países da Europa. Elas apontaram que o PCC e a ‘Ndrangheta são responsáveis por negociar diretamente a exportação da maior parte da cocaína que sai da América do Sul para a Europa.